MANDADO DE SEGURANÇA 28.440 DISTRITO FEDERAL
RELATOR :MIN. TEORI ZAVASCKI
IMPTE.(S) :SIMONE MARÓSTICA BORTOLOTTO
ADV.(A/S) :PAULO RICARDO SCHIER E OUTRO(A/S)
IMPDO.(A/S) :CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
DECISÃO: 1. Trata-se de mandado de segurança, com pedido deliminar, contra decisão do Conselho Nacional de Justiça que, nos autos do Procedimento de Controle Administrativo PCA 2008.10.00.0014008-9,desconstituiu vários decretos judiciários de remoção por permuta (701/89, 729/89, 632/90, 915/91, 1094/91, 53/92, 589/92, 762/92, 764/92, 765/92,323/93, 326/93, 426/93, 136/94, 642/94 e 700/94), editados pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O ato tem a seguinte ementa:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROVIMENTO DERIVADO SEM CONCURSO PÚBLICO.REMOÇÃO POR PERMUTA. SERVENTIAS JUDICIAIS PARAEXTRAJUDICIAIS. NULIDADE DO ATO. JULGADOPROCEDENTE. DESCONSTITUIÇÃO DOS DECRETOS.
Arealização de remoções por permuta com base no interesse dajustiça, mesmo que fundamentada em norma estadual, viola o §3º do art. 236 da CF, que exige o concurso público tanto para oprovimento originário quanto para o provimento derivado. Aspermutas, da forma como realizadas, atendem tão somente aosinteresses particulares dos envolvidos. Pedido que se julgaprocedente.
Diz a impetrante, Simone Marostica Bortoloto, que, após aprovaçãoem concurso público, foi nomeada para o cargo de Contador, Partidor, Distribuidor, Depositário Público e Avaliador Judicial da Comarca deCoronel Vivida-PR, conforme Decreto Judiciário 535/94 (publicado em
30.08.1994, fl. 100). Passados menos de 3 (três) meses, pelo DecretoJudiciário 700/94 (publicado em 18.11.1994, fl. 88), foi removida, por permuta com seu pai Atílio Marostica, para a função de titular daserventia extrajudicial do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Toledo/PR.
Sustenta, em suma, a constitucionalidade e a legalidade dessapermuta, com base nos seguintes argumentos: (a) o art. 236, § 3º, da CF somente é aplicável a partir da Lei 8.935/94, de 18 de novembro de 1994;(b) ocorreu a decadência - art. 54 da Lei 9.784/99; e art. 91, parágrafoúnico, do RICNJ, com redação vigente à época da propositura do PCA(2008) – o que impede a anulação da permuta; (c) a decisão colegiada do CNJ violou os princípios constitucionais do ato jurídico perfeito, dasegurança jurídica e da boa-fé; (d) a permuta está em conformidade com o art. 163 da Lei estadual 7.297/80 (Código de Organização e DivisãoJudiciária do Estado do Paraná), que foi recepcionado pela Constituição Federal; (e) não é exigido concurso público para a permuta, por não sercaso de vacância; e (f) nos termos do art. 16 da Lei 8.935/94, a permuta dispensa a repetição de concurso público, pois, como espécie de remoção,é hipótese de provimento derivado.
Assim, postula a anulação do atocoator, com a consequente manutenção do decreto de permuta. O Ministério Público Federal apresentou parecer pela denegação dasegurança.
A liminar, inicialmente deferida, foi posteriormente cassada, dissoestando pendente agravo regimental.
2. De acordo com os dados da causa, a impetrante foi juramentadajunto ao 2º Oficio de Registro de Imóveis da Comarca de Toledo/PR, desde 14.02.1990 até 09.09.1994, quando foi exonerada. Em 28.08.1994,mediante concurso publico, foi nomeada para o cargo de Contador Distribuidor Judicial da Comarca de Coronel Vivida/PR, tomando posseem 12.09.1994, tendo em seguida solicitado e obtido, em 18.11.1994, remoço para o 2º Oficio de Registro de Imóveis da Comarca deToledo/PR, mediante permuta com seu pai Atilio Maróstica, que se aposentou em 06.04.1995.
3. Está consolidada a jurisprudência do STF sobre o regime jurídicoconstitucionaldos serviços notariais e de registro, fixado no art. 236 e seus parágrafos da Constituição, normas consideradas autoaplicáveis. Cuida-se de serviço exercido em caráter privado e por delegação dopoder público, para cujo ingresso ou remoção exige-se concurso públicode provas e títulos.
Ou seja, a partir de 5.10.1988, a atividade notarial e de registro éessencialmente distinta da atividade exercida pelos poderes de estado, e, assim, embora prestado como serviço público, o titular da serventiaextrajudicial não é servidor e com este não se confunde (ADI 865-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 08.04.1994; ADI 2602, Rel.Min. JOAQUIM BARBOSA, Plenário, DJ de 31.03.2006; e ADI 4140, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Plenário, DJe de 20.09.2011).
Confirma esse entendimento o julgado na ADI 2.891-MC (Rel. Min.SEPÚLVEDA PERTENCE, Plenário, DJ de 27.06.2003), nos termos da ementa seguinte:
EMENTA: Serviços notariais e de registro: regime jurídico:exercício em caráter privado, por delegação do poder público:lei estadual que estende aos delegatários (tabeliães eregistradores) o regime do quadro único de servidores do PoderJudiciário local: plausibilidade da argüição de suainconstitucionalidade, por contrariedade ao art. 236 e §§ e, noque diz com a aposentadoria, ao art. 40 e §§, da Constituição da República: medida cautelar deferida.A eventual persistência de serventias judiciais privatizadas, comoainda ocorre em alguns estados da federação, ademais de incompatívelcom o preceito do art. 31 do ADCT e do art. 96, I, e da CF pelo qual ficouassentado serem organizadas as carreiras e cargos dos tribunais e serviçosauxiliares seus e dos juízos a eles vinculados não serve como referenciapara igualar os serviços judiciais com os das serventias notariais e deregistro. De outra parte, a legislação estadual que os equipare ou assemelhepara qualquer finalidade, seja legislação de iniciativa do Poder Judiciário ou não, anterior à Constituição de 1988, deixou de ser compatível com asuperveniente ordem normativa constitucional, o que, ressalvadas apenas as situações previstas no art. 32 do ADCT, importou sua não-recepção e,portanto, sua revogação.À base desse pressuposto, tem-se como certo que, a partir davigência da Constituição de 1988, o ingresso ou a movimentação dostitulares de serviço notarial e de registro, devem sempre estrita observância ao novo regime, ficando dependentes de prévio concurso de provas e títulos.
A superveniência da Lei 8.935/94 (de 18.11.1994), que regulamentou o art. 236 da Constituição, manteve a exigência de concurso de provas e títulos, tanto para o provimento originário quanto para o de remoção. Eis a redação originária do art. 16:
Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por concurso de remoção, de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoço, por mais de seis meses. Com a nova redação dada ao art. 16 pela Lei 10.506/02 (de 09.07.2002), a exigência de provas e títulos permaneceu exigível apenas para o provimento inicial. A partir de então, exige-se, para remoção, apenas o concurso de títulos:
Art. 16. As vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses.
4. Esse entendimento foi cristalizado no Plenário desta Corte, no julgamento do MS 28.279 (Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 29.04.2011), embora pendentes embargos declaratórios, em tema semelhante. Na ocasião, a Corte afirmou expressamente: (a) o art. 236 caput e o seu § 3º da CF contêm normas de natureza autoaplicável, produzindo efeitos que independem da Lei 8.935/94; (b) a decadência (art. 54 da Lei 9.784/99, e art. 91, parágrafo único, do RICNJ) não se aplica a situações inconstitucionais; e (c) não há direito adquirido à titularidade de serventias que tenham sido efetivadas sem a observância das exigências do art. 236, quando o ato tiver ocorrido após a vigência da CF/88.
Quanto à prevalência do regime constitucional novo e suas regras, não há dúvida de que a exigência de concurso de provas e títulos, específico para o ingresso na atividade e remoção dentro do serviço (sendo, nesse ultimo caso, depois de 2002, apenas de títulos), não poderia ser dispensada qualquer que fosse a legislação local anterior.
No caso da impetração, a permuta com vacância e provimento simultâneos, entre si, de cargo público judicial e de serventia extrajudicial foi utilizada como meio de movimentação pessoal dos permutantes, sendo ambos membros da família Marostica (pai e filha), em manifesta afronta às exigências constitucionais previstas nos arts. 96, I, e, e 236, § 3º, da Constituição.
Ademais, a alegação de que o ato de permuta estaria em consonância com a legislação estadual é inexata. Na época (1994), a redação da Lei 7.297/80 no capítulo denominado Das Permutas era a seguinte:
Art. 163. A permuta, no interesse da Justiça, dar-se-á por ato do Presidente do Tribunal de Justiça. (Redação dada pela Lei 9497 de 21/12/1990)
§ 1º. O pedido, feito em conjunto, deverá ser instruído com relatório circunstanciado do movimento dos Ofícios em permuta, nos últimos dois (02) anos.
§ 2º. O Presidente do Tribunal de Justiça encaminhará o processo ao Corregedor da Justiça que o relatará perante o Conselho da Magistratura e este decidirá sobre o deferimento ou não do pedido. (Redação dada pela Lei 9497 de 21/12/1990)
Art. 164. Os oficiais de Justiça, porteiros de auditório, comissários de vigilância, igualmente, poderão obter remoção e permuta conforme a hipótese, para cargos de igual natureza, da mesma Comarca ou em diversa da que servirem, mediante ato do Presidente do Tribunal, ouvido o Corregedor da Justiça.
Parágrafo único. O pedido deverá dar entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, no prazo de vinte (20) dias da vacância.
Art. 165. A remoção ou a permuta poderão ser concedidas aos oficiais maiores, escreventes e empregados juramentados, mediante concordância do titular ou titulares, conforme o caso.
Vê-se bem que, considerando o regime constitucional em vigor, a permuta (dupla remoção) ali prevista somente poderia ser efetivada entre cargos de igual natureza, o que não ocorreu no caso. Não havendo simetria entre os regimes jurídicos, é inviável a permuta entre situações pessoais e funcionais diversas. Ademais, a permuta é logicamente incompatvel com a exigência de concurso público, sendo irrelevante a inocorrência de vacância.
Em suma, tanto no regime anterior à Lei 8.935/94, em que a norma exigia concurso público de provas e títulos para ingresso e remoção no serviço notarial e de registro, quanto no regime atual (isto é, a partir da Lei 10.506/02, quando basta para a remoção o concurso de títulos), a permuta, como realizada, é incompatível com a estipulação legal e constitucional.
5. Sustenta-se, com invocação dos princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica, da boa-fé e do ato jurídico perfeito, que o exercício precário e ilegítimo das serventias, mesmo não ocupadas de acordo com a Constituição anterior ou atual, não pode ser desconsiderado, devendo-se garantir aos ocupantes o direito de nelas se manterem, estando exaurido o poder de revisão dos atos administrativos correspondentes por força da decadência estabelecida pelo citado art. 54 da Lei 9.784/99. A questão não é nova. É certo que a norma invocada estabelece limites ao poder de revisão dos atos do Poder público de que decorram efeitos favoráveis ao administrado, uma vez corrido o prazo de 5 (cinco) anos da vigência da lei, ou a partir do ato respectivo, já que a Administração, ao cabo dele, perde o poder de revê-los, exceto quando verificada a má-fé do beneficiário. Essa espécie de autolimitação instituída pelo legislador tem por razão a proteção da segurança jurídica do administrado e significa que a Administração, de ordinário, depois desse prazo, decai do direito de revisão.
No entanto, a situação em exame tem outra conformação. A Constituição ordena a sujeição ao concurso público a quem não ostente essa condição de acesso à serventia ocupada, ordem essa que não está sujeita a prazo de qualquer natureza, não podendo cogitar de convalidação dos atos ou fatos que persistem em descumpri-la. Não há sentido algum, portanto, em se debater a respeito da decadência, nessas hipóteses. A propósito, o já citado precedente do Plenário da Corte no MS 28.279 DF (Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe 29.04.2011) anotou na ementa:
5. Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de serventia extrajudicial sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal.
No MS 28.371-AgRg (Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA) ficou mantida a decisão que negou seguimento ao pedido pelo qual se insurgia o impetrante contra o ato do CNJ com idêntico fundamento ao assentar que:
(...) a regra de decadência é inaplicável ao controle administrativo feito pelo Conselho nacional de Justiça nos casos em que a delegação notarial ocorreu após a promulgação da Constituição de 1988, sem anterior aprovação em concurso público de provas (...).
7. Por fim, a objeção da impetrante à instauração de concurso público de iniciativa do Tribunal de Justiça local para provimento da serventia que ela ora ocupa é tema que escapa dos limites da presente demanda.
6. Em suma, não se tem presente a alegada ilegitimidade do ato coator atribuído ao Conselho Nacional de Justiça nem a existência do direito líquido e certo afirmado pela impetrante.
7. Diante do exposto, nego seguimento ao pedido (art. 21, § 1º do RISTF), prejudicado o agravo regimental.
Publique-se Intime-se.
Brasília, 5 de fevereiro de 2013.
Ministro TEORI ZAVASCKI
Relator