15/05/2013 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.609 ACRE
VOTO O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República em face da menda Constitucional nº 38 do Estado do Acre, de 18 de julho de 2005, a qual, acrescentando o art. 37 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, tornou efetivos todos os servidores públicos que haviam sido providos sem concurso público, na Administração Direta e Indireta do Estado, até 31 de dezembro de 1994.
Segundo o art. 37, II, da Carta da República, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo o cargo em comissão.
A regra da acessibilidade ao serviço público pela via do concurso público, no saber de Adilson Abreu Dallari (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2 ed., São Paulo: RT, 1990, pág. 37), "é um instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade". Com efeito, esta Corte já assentou que:
"(...) O respeito efetivo à exigência de prévia aprovação em concurso público qualifica-se, constitucionalmente, como paradigma de legitimação ético-jurídica da investidura de qualquer cidadão em cargos, funções ou empregos públicos, ressalvadas as hipóteses de nomeação para cargos em comissão (CF, art. 37, II). A razão subjacente ao postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros (...)"
ADI nº 1.350/RO, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 1º/12/06). Em revisão ADI 3609 / AC
No caso presente, analisando-se a norma impugnada, verifica-se que a sua inconstitucionalidade é patente, porque desde a promulgação da Constituição de 1988, por força de seu art. 37, inciso II, a investidura em cargo ou emprego público depende da prévia aprovação em concurso público.
Ressalte-se que a orientação deste Tribunal, no sentido de não ser complacente em relação à regra do concurso público, encontra-se sedimentada no voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, quando do julgamento da ADI nº 1.350/RO, nos seguintes termos:
"É de ressaltar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – refletindo o magistério da doutrina (...) – não tem transigido em torno da necessidade de observância, sempre indeclinável, do postulado constitucional do concurso público (...).
É por tal razão que esta Suprema Corte – ante o caráter impostergável desse princípio que faz realizar, em projeção concretizadora, a exigência da isonomia (...) – tem censurado a validade constitucional de normas que autorizam, permitem ou viabilizam, independentemente de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, o ingresso originário no serviço estatal ou o provimento em cargos administrativos diversos daqueles para os quais o servidor público foi admitido.
Em conseqüência dessa rígida interpretação jurisdicional – em tudo compatível com a importância do postulado do concurso público –, o Supremo Tribunal Federal vetou, em julgamento definitivo ou em sede de delibação cautelar, a aplicabilidade de preceitos normativos, que, desconsiderando a essencialidade do princípio em questão, objetivavam viabilizar, de maneira ilegítima, a investidura funcional de servidores administrativos, mediante utilização de institutos reputados inconciliáveis com a incontornável exigência constitucional do concurso público. Em todos esse casos – e qualquer que fosse o nomen juris adotado – a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Em revisão ADI 3609 / AC Federal, tendo presente a necessidade de preservar a incolumidade do princípio do concurso público, repeliu a utilização dos institutos (a) da ascensão (...) (b) da transferência e/ou transformação de cargos (...) (c) da integração funcional (...) (d) da transposição de cargo (...) (e) da efetivação extraordinária no cargo (...) (f) do acesso e aproveitamento (...)" (grifou-se).
Verifica-se, ademais, que a norma impugnada ampliou incontestavelmente o conteúdo do art. 19 do ADCT da Constituição Federal, que garantiu, tão somente, a estabilidade excepcional – não a efetivação – dos servidores da administração direta, autárquica e das fundações públicas, o que não inclui os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.
Note-se que, apesar de não haverem ingressado na Administração Pública mediante concurso público, os servidores estabilizados com base no art. 19 do ADCT da Constituição Federal possuem apenas o direito de permanecer na função para as quais foram admitidos, somente vindo a adquirir efetividade no cargo quando se submeterem ao certame público, conforme destacado no seu § 1º ("O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei").
Além disso, a norma constitucional somente beneficiou aqueles que contavam com cinco anos de serviço à época da promulgação da Constituição, enquanto o dispositivo ora atacado efetivou todos os que ingressaram no serviço público estadual até 31 de dezembro de 1994. Ora, a exceção prevista no art. 19 do ADCT da Constituição não admite ampliação. Conforme salienta Uadi Lammêgo Bulos (Constituição Federal Anotada. 5 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1.419):
"(...) a aplicação desse artigo, que tem dado margem a interpretações distorcidas e ilusórias, é limitadíssima, só abrangendo os estritos limites de sua letra. Aliás, a regra é o pórtico alicerçado no art. 37, II, que exige concurso para a investidura em cargo ou emprego público (...).
(...) o art.19 em epígrafe não convém ser interpretado com larga visão de sentido, com vistas a abranger, por exemplo, empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista." (grifou-se).
Esse também é o entendimento da reiterada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, in verbis:
"(...) A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o respeito a vários princípios constitucionais de direito dministrativo, entre eles, o da impessoalidade e o da isonomia. O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que, quando da promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público. A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT Federal.
Precedentes: ADI 498ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996) e ADI 208ADI 208, Rel. Min. Moreira Alves (DJ de 19-12-2002), entre outros" ( ADI nº 100 ADI nº 100/MG, Relatora a
Ministra Ellen Gracie, DJ de 1º/10/04, grifou-se).
"I. Servidor Público: estabilidade extraordinária (ADCT/CF/88, art. 19). O Tribunal tem afirmado a sujeição dos Estados-membros às disposições da Constituição Federal relativas aos servidores públicos, não lhes sendo dado, em particular, restringir ou ampliar os limites da estabilidade excepcional conferida no artigo 19 do ato federal das disposições transitórias.
II. Estabilidade excepcional (Art. 19ADCT): não implica efetividade no cargo, para a qual é imprescindível o concurso público (v.g. RE 181.883, 2ª T.,Corrêa, DJ 27.02.98; ADIns. 88-MG, Moreira, DJ 08.09.00; 186-4 Em revisão ADI 3609 / AC PR, Rezek, DJ 15.09.95; 2433-MC, Corrêa, DJ 24.8.01).
III.Concurso público: exigência incontornável para que o servidor seja investido em cargo de carreira diversa. (...) IV. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 25, 26, 29 e 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Ceará." (ADI nº 289/CE, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 16/3/07, grifou-se). No mesmo sentido: ADI nº 982/PI-MC, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 6/5/94; ADI nº 88ADI nº 88/MG, Relator o Ministro MoreiraAlves, DJ de 8/9/2000.
Ante o exposto, voto pela procedência do pedido para declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 38/2005 do Estado do Acre. Inviável, ademais, a modulação de efeitos pretendida pela Assembleia Legislativa e pelo Poder Executivo do Estado do Acre, no sentido de preservar a situação daqueles que tenham ingressado no serviço até 18/01/1994 (data da transmudação do regime celetista para o estatutário) ou até 31/12/1993 (data a partir da qual passou a incidir a Lei Complementar estadual nº 39/93, que teria tornado obrigatória a prévia realização de concurso público no Estado do Acre), ou mesmo até 23/04/1993 (data de publicação do MS 21322 que decidiu pela nulidade da investidura em empregos públicos sem prévia aprovação em concurso público).
Em primeiro lugar, porque a investidura em cargo ou emprego público depende da prévia aprovação em concurso público, desde a promulgação da Constituição de 1988, e não a partir da edição da Lei Complementar estadual nº 39/93, nem dos outros marcos mencionados.
Em segundo, ressalto a gravidade da nítida e direta afronta ao art. 37, inciso II, da Constituição, o qual veicula regra concretizadora dos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência da Administração Pública, constituindo norma de primordial importância no regime constitucional do serviço público.
Em terceiro lugar, registro a inexistência de qualquer controvérsia jurídica relevante acerca do tema, há muito tempo – desde antes de 1993 – pacificado na jurisprudência deste Tribunal.
Ademais, também não é possível resguardar a situação daqueles que ingressaram no serviço público antes da Constituição de 1988, pois, como mencionado, para adquirirem estabilidade (não efetividade), devem obedecer rigorosamente os requisitos previstos no art. 19 do ADCT. Entretanto, tendo em vista informação oferecida pela Procuradoria- Geral do Estado do Acre (fl. 185), no sentido de que foram contratados 11.554 (onze mil quinhentos e cinquenta e quatro) servidores sem aprovação em concurso público, entre o período de 05/10/1983 a 18/01/1994, que se encontram trabalhando (com a ressalva daqueles que já se aposentaram ou foram exonerados) em todas as secretarias e entidades da Administração estadual, inclusive em serviços públicos essenciais, como nas secretarias de saúde (3.488 servidores), da educação (4.280 servidores) e de segurança (656 servidores), e de forma semelhante ao que o Tribunal decidiu nas ADIs nº 4.125/TO e nº3.819/MG, proponho a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, para dar efeitos prospectivos à decisão, de modo que somente produza seus efeitos a partir de doze meses contados da data da publicação da ata deste julgamento, tempo hábil à realização de concurso público, nomeação e posse de novos servidores, evitando-se, assim, prejuízo aos serviços públicos essenciais à população. Em revisão