A festa acaba de começar para uns poucos e o sonho se encerra para milhares. O Senado aprovou na tarde desta terça-feira o Projeto de Lei (PLC) nº 89/2014 que legitima remoções ilegais para serviços notariais e registrais feitas ao arrepio da Constituição Federal de 1988 e do que já decidiu o CNJ.
“Tudo foi aprovado no tapetão, na Câmara e no Senado. Vimos dois ou três parlamentares em cada casa colocar o projeto embaixo do braço e conduzi-lo à aprovação. Poder econômico e interesses escusos mudam a lei, desconsideram as decisões do Supremo e do dia para noite acabam com o sonho de milhões de brasileiros!” Diz o presidente da ANDECC, Pedro Ivo, ao ver o Senado Federal aprovar o projeto em pouco mais de 6 horas.
Aqueles que se beneficiam das manobras terão muito o que comemorar, pois o hercúleo esforço do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para regularizar os cartórios foi transformado em pó. A sociedade e os milhares de advogados que se dedicam ao Concurso Público foram acintosamente ignorados. A resposta do Senado para estes é sinto muito pela sua honestidade, deveria ter se aproveitado da situação, pois sempre damos um jeitinho.
A ANDECC acompanha este e outros Projetos de Lei e de Emendas Constitucionais, mas devido a força com que os interinos vêm agindo no Congresso, em ano eleitoral, atropelou qualquer tentativa de discutir o projeto.
Ao ser convertido em lei, o artigo 18 da Lei nº 8.935/94 passará contar com um parágrafo único com a seguinte redação: “aos que ingressaram na atividade notarial e de registro por meio de concurso público são resguardadas as remoções que obedeceram aos critérios estabelecidos na legislação estadual e na do Distrito Federal até 18 de novembro de 1994.”
Em linguagem bastante simples, o Senado acabou de “legalizar” as remoções sem concurso público de provas e títulos, fato que o Supremo Tribunal Federal reiteradamente tem declarado ilegiítimo. Na prática as permutas ocorridas dentro de uma mesma família (de pai para filho) de um cartório do interior, em regra deficitário, para um cartório maior ou mesmo em capital, milionário, tiveram sua situação regularizada no tapetão.
A conselheira Luiza Cristina Frischeisen, do Conselho Nacional de Justiça, afirmou que esse projeto, contraria a diretriz estabelecida pela Constituição Federal para escolha dos titulares e responsáveis pelos cartórios extrajudiciais.
Não é novidade que o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos. A CF/67 dispunha em seu artigo 197 que as serventias extrajudiciais seriam providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos. Esse artigo foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº 22, de 29 de junho de 1982.
A atual Constituição Federal, manteve a forma de ingresso da cnstituição que a antecedeu, conforme dispõe o § 3º, do artigo 236: o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Não há motivo digno que justique o descumprimento institucionalizado de uma regra que existe há mais de 30 (trinta) anos. Quem foi removido sem se submeter às regras constitucionais deve ser responsável pela escolha que fez e assumir o risco de ter esse ato desconstituído, como bem fez o CNJ. Repetimos, não é novidade a obritariedade do concurso público de provas e títulos.
Justamente no momento em que estamos prestes a superar o que o Ministro Gilmar Mendes chamou de "herança colonial trágica", e a curar o que Ex-Ministra Ellen Gracie taxou de "metástase institucional no âmbito do próprio Judiciário" (ADI nº 2415), a sociedade sofre esse duro golpe. Os atuais concursos públicos de provas e títulos pelo Brasil afora serão esvaziados, pois os cartórios em disputa deixarão de estar vagos com essa manobra política.